sexta-feira, abril 27

The painting has a dream
Where shadow breaks the scene
And the colors run off
Blue is bashful, green is my goal
Yellow girls are running backward
(Hits of Sunshine - Sonic Youth)

Final de Abril. 2007.

Uma amostra de inverno.

Há dois dias atrás, eu estava nesse mesmo banco de ônibus, olhando pela mesma janela, e era tudo diferente.

“O frio já vem...”, tá dizendo o camarada no meu ouvido. É incrível como os timbres se misturam com o sol gelado, as nuvens de recheio cinza e contorno branco. A alma branca de contorno cinza.

Não há mais que reclamar que a cerveja vai esquentar, o difícil vai ser carregar o líquido gelado na garganta.

O frio faz todo sentido.

Todo sentido.

Os parques em tom de sépia no final da tarde, o verde acenando um adeus com propriedade. Os homens da construção construindo mais pra aquecer o corpo. Pra chegar mais cedo em casa, pra tomar um algo quente e se enfiar nas cobertas.

Até as cruzes das igrejas ganham aquela aparência cujo princípio é o mesmo há 2 mil anos.

Porto Alegre está vestida com as roupas e as armas do herói que me salvou há 11 anos atrás.
Continuo agradecendo.

quarta-feira, abril 18

Eu sou uma gaúcha de merda.

Não no sentido de gaúcho gaúcho, mas sobre aquele irredutível, que não se sente nem daqui nem de lá, e que na verdade tem tanto espaço e lugar que fica perdidão.

Vamos elevar o pago em nível de consciência. O meu pago é cheio de elementos e tem tanta coisa misturada que às vezes nem eu me reconheço nele. Atualmente, meu pago é bem gaúcho. Agora sim, gaúcho gaúcho. Mas na consciência.

Eu vou tocar num casamento, mas veja, não é um casamento comum, a minha recomendação é pra tocar Absolute Beginners no auge da festa. Só por isso eles já têm minha benção. Eu pediria essa música no meu casamento também.

E pensando, é uma música bem gaúcha. Vitor Ramil diz que quando ele compõe uma milonga ele chora, ou na maioria delas. Quando eu ouço Absolute eu tenho essa sensação, que só chorando é que a gente vai conseguir exprimir o que ela acarreta no interior das vísceras, assim, quase redundante.

E Wild is The Wind, e algumas outras. Mas essas duas são quase suicidas, no bom sentido.

Hello, é Bowie sim e também é sobre amor sim, mas ah, eu tô cansada e não quero ouvir a sua pré concepção que é coisa de gente boba e apaixonada porque elas estão acima disso. Se fosse só uma “canção de amor inventada número 43” o Sr. David Jones não se daria o trabalho de cantar daquele jeito..

Absolute Beginners numa performance contemporânea, no especial da BBC em 1999, clima de The Man Who Sold The World, quando ele ainda usava vestidos, e falava dos loucos. Acho que foi um momento Renascimento e essa versão escapa das oitentices, o que conta muito.



Wild is The Wind, o promocional da época, com a música quase pela metade, mas é um vídeo tão maravilhoso quanto a canção. (e reparem no erro de continuidade – proposital? - mais genial do mundo, que eu não vou dizer)



Loucos, de chapéu azul, de cabelo fodido, “de cara”, de graça animal, loucos e satisfeitos por sermos tão sãos quanto os outros.


I´d rather stay here
With all the madmen
Than perish with the sad men roaming free
I´d rather play here
With all the madmen
For I´m quite content they´re all as sane as me

(db)

(nada mais lógico do que terminar esse post falando sobre loucura)

sábado, abril 14

No sin to Love

Sempre considerei o Eternal Sunshine of the Spotless Mind um filme ok. OK.

Ele é bom, mas não me tocou de maneira a transformar minha vida, me fazer refletir, essas coisas.. Até porque não aceito nem a vaga possibilidade de se desfazer de uma memória.

Então, analisando o rococó em verso me deparo com o Sr. Alexander Pope (sim, aquele lá que tu só ouviu falar no Código DaVinci), e descubro que o nome do filme é culpa dele. Mais, descubro que o poema que contém essa frase se chama Eloisa to Abelard. Fez-se a luz.

Of all affliction taught a lover yet,
'Tis sure the hardest science to forget!
How shall I lose the sin, yet keep the sense,
And love th' offender, yet detest th' offence?

Entendo que os fãs do filme já sabiam desse detalhe, mas como eu não era entusiasta, deixei passar. O fato é que Heloísa e Abelardo foi a primeira história de amor que conheci, antes mesmo de Romeu e Julieta, quando assisti Em nome de Deus (Stealing Heaven, 1988). Digamos que eles tiveram uma certa influência na minha vida.

Depois de ler o poema na íntegra aqui, eu entendi o insight do Kaufman e fizemos as pazes. O “ok” ganha um ponto positivo porque a inspiração do filme vem de um romance onde o “esquecer” era um processo interminavelmente dolorido.

Pra quem for preguiçoso e odeia poemas de 20 mil caracteres, eu largo o eureka! abaixo:

How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd;


-Oh me! - diria Julieta. A propósito, alguém sabe me dizer se há alguma dica sobre isso no filme? Vou até assistir de novo...

quinta-feira, abril 12

- Tô aqui no Mercado do Peixe comendo uma muqueca de siri!

Diz ele eufórico no telefone, numa madrugada que ensaia esfriar mas é só enganação. Eu estou lendo blogs. É, blogs. Não desisto deles.

O bom do namoro é a manutenção. O bom é que em mais de 10 anos de Salvador eu nunca fui no Mercado do Peixe, e ele vai chegar cheio de coisas inéditas pra me contar. Uma outra visão de um lugar que eu amo e odeio e já tenho um panorama pré-concebido.

“Tô aprendendo também”, diria Rogério Flausino do Jota Quest.

terça-feira, abril 10

6 anos
Em 6 anos minha vida mudou tanto.
Com 15 anos eu diria que em 6 eu passei do New Kids On The Block pro New York Dolls.
Hoje eu digo que eu passei da autodestruição pro amor incondicional.
Eu sei o que é amor incondicional. Já é meio caminho andado.
Ele acorda com essa cabeça raspada, por causa dos piolhos e diz “Eu preciso fazer xixi”.
Eu enxergo esse menino enorme, com cara de menino agora (porque até ontem era meu bebê), de pinto duro, com vontade de fazer xixi às 3 da manhã, e penso que daqui a 6 anos o pinto dele vai estar duro por outros motivos.
Mesmo assim, eu dou um abraço forte, e encho de beijos antes de cobrí-lo com o edredon de novo.
Tiro os livros de cima da minha cama, esses livros que eu não li nem um capítulo porque minha cabeça anda tão povoada (o termo crowded mind nunca funcionará na tradução), e vou me deitar.
A semana é tão cheia de responsabilidades e eu só quero dormir bastante e acordar com um Vincenzo, que é italiano (agora ele fala que é italiano o tempo todo), pulando em cima de mim.
Antes que ele passe dos 20.
Dun dun dun dun dun dun
Dun dun dun dun dun dun
Dun dun dun dun dun dun
Dun dun dun dun dun dun
Diga que sim.

Não é o fim.
É tão ruim sorrir assim.
Saiba que hoje outro estou.
Perto de alguém quem falou
pois hoje o encantou.
Entrarei em disfonia se o rádio quebrado for seu.

Stratopumas sempre.
Show dia 21, no garagem. Se perder é bicha.

segunda-feira, abril 9

- Dorian!


- Não fale!


(...)


- Você me disse, no mês passado, que nunca iria expô-lo. Por que mudou de idéia? Vocês, que se dedicam a ser consistentes, possuem, na verdade, tantos estados de espírito quanto uma pessoa qualquer. A única diferença é que os estados de espírito de vocês quase não têm significados. É impossível que você tenha se esquecido de que afirmou, de modo solene, que nada no mundo o induziria a enviar o quadro a qualquer exposição.


(...)


- Basil, todos nós temos um segredo. Conte-me o seu, e eu contarei o meu. Por que motivo você se recusava a expor meu retrato?


O pintor estremeceu, mortificado.


(...)


- Vamos nos sentar, Dorian. Vamos nos sentar. E responda-me apenas uma pergunta. Você notou alguma coisa estranha no quadro? Alguma coisa com que você não tinha atinado, no início, mas que, de repente, se revelou a você?


- Basil!


Com as mãos trêmulas, o jovem agarrou os braços da poltrona. Olhava-o com olhos selvagens, arregalados.


- Notou, não foi? Não diga nada. Espere até ouvir o que eu tenho a dizer. Dorian, desde o primeiro momento em que o conheci, sua personalidade teve, sobre mim, uma influência extraordinária. Fiquei dominado, alma, cérebro e energia, por você. Pra mim, você era a encarnação visível daquele ideal oculto cuja lembrança nos assedia, a nós artistas, como um sonho exótico. Idolatrei você. Senti ciúmes das pessoas com quem você falava. Queria tê-lo todo pra mim. Sentia-me feliz apenas quando estava com você. E nas vezes que esteve longe de mim, ainda assim estava presente em minha arte... Claro, jamais permiti que você o percebesse. Teria sido impossível, você não teria compreendido. Eu mesmo mal conseguia compreender. O que eu sabia, apenas, é que me havia deparado, frente a frente, com a perfeição, e que o mundo se havia transformado, aos meus olhos, num mundo maravilhoso. Maravilhoso demais, talvez, pois, numa adoração assim tão louca, ronda o perigo, o perigo de perdê-la, nada inferior ao perigo de mantê-la...


As semanas se passavam e, cada vez mais, deixei-me absorver por você. Veio, em seguida, uma nova evolução. Eu o pintara como Páris, numa armadura elegante, como Adônis, num casaco de caçador, com uma lança lustrosa pra caçar javalis. Coroado em flores de loto, fortes, você se sentou à proa do barco de Adriano, de onde contemplava todo o verde, túrbido, Nilo. Você se debruçou no lago plácido de algum bosque grego e viu, na prata silenciosa da água, a maravilha... o próprio rosto. E fora tudo o que deve ser a arte: inconsciente, ideal e remota. Certo dia – num dia fatal, como costumo pensar algumas vezes -, determinei-me a pintar um retrato maravilhoso de você, tal como é hoje, não na indumentária de épocas mortas, mas com seu próprio traje, em seu próprio tempo. Se foi o realismo do método ou a simples maravilha de sua personalidade, a mim apresentada, de forma direta, sem bruma, sem véu, não sei dizer. Sei apenas que trabalhei muito, todo floco, toda película de cor parecia, a mim, revelar meu segredo. Senti medo de que os outros soubessem de minha idolatria. Senti, Dorian, que havia dito muita coisa, que havia colocado, no retrato, muito de mim mesmo. Foi então que resolvi não permitir jamais que o quadro fosse exposto. Você se aborreceu um pouco, mas, na ocasião, você não percebia o que tudo aquilo significava pra mim. Contei a Harry, e ele riu de mim. Mas não liguei. Quando terminei a pintura, e me sentei a sós com ela, senti que tinha razão... Bem, uns dias depois, a coisa foi embora do ateliê, e logo que me livrei do fascínio intolerável daquela presença, a mim me pareceu que eu fora um tolo em imaginar ter visto, nela, algo além de uma extrema beleza, e do fato de que eu sei pintar. Mesmo agora, inevitável sentir o erro do pensar que a paixão sentida na criação se evidencie na obra criada. A arte é sempre mais abstrata do que a imaginamos. A forma e a cor nos dizem da forma e da cor, e só. A mim me parece, com freqüência, que a arte, muito mais do que revelar o artista, o esconde de modo ainda mais categórico. Assim, quando recebi o convite de Paris, determinei-me a fazer, de seu retrato, o assunto principal de minha exposição. Jamais me ocorreu que você recusasse, mas vejo que você tem razão. O quadro não pode ser mostrado. Não fique zangado comigo, Dorian, pelo que eu falei. Como eu disse a Harry, um dia desses, você foi feito pra ser adorado.


(...)


Quando Hallward saiu, Dorian Gray sorriu sozinho. Pobre Basil! Quase nada sabia do verdadeiro motivo! E fora estranho que ele, em vez de ter sido forçado a revelar seu segredo, conseguira, quase por acaso, arrancar o segredo do amigo!

quinta-feira, abril 5

Samsara, Paris e a boemia saudável.

Uma crise. Interna. Assim: brrrr brrrr brrrr.

Um tremor que ameaça a erupção.

Um trio. Eu, Toulouse e Frida.

Um triângulo. Eu, o alter-eu e o novo eu.

Essa fase dos bravos, de se encontrar em si mesmo, e suportar o que significa. Essa busca da identidade alheia que termina com um espelho. Conflito com o espelho e com o próprio pensamento sobre o que ele mostra.

You don’t want to looose Lautrec.

Um espaço-objeto. Ver-se a metade.

O medo.

Espero que haja sobreviventes.