Depois do show do Júpiter, e de ler a resenha da Dani, senti vontade de escrever algumas coisas aqui. Não gostamos simplesmente de um show, aqui ou com artistas daqui, do rock, simplesmente pela banda, seu aparecimento regular na mídia etc. Gostamos principalmente porque podemos fazer uma espécie de aposta para ver se a banda irá fazer aquilo que esperamos que ela vá fazer. E o Júpiter ou costuma fazer algo inesperado ou (já há muito tempo - talvez desde sempre) faz algo que é escandalosamente POP. E é aí que nós gostamos. O POP acho que comecei a valorizar, ou ao menos a afastar de mim o ranço, justamente por causa da Dani, que sempre foi uma pessoa bastante POP (ok?). Mas estou falando do POP escandaloso, como Prince, Michael Jackson, Roxete (ou seja, mesmo os “mega-explorados”, os mega-vistos, os mega-hits). Por exemplo, no Dom Bosco, o Marcus e eu tínhamos de ostentar um gosto "rock", um comportamento de fuga, de recusa etc., simplesmente porque nós fazíamos parte do grupo dos "esclarecidos", ou melhor, "éramos o grupo esclarecido e construíamos o esclarecimento", mesmo que nossas personalidades fossem muito confusas à época. A Dani fazia parte do grupo dos esclarecidos, evidentemente, mas já “nascia POP”, já “veio POP”. Ela seria mais esclarecida ainda porque era estrangeira – uma grande vantagem, pois é sempre tudo o que queremos (certo?). Se ela vem de São Paulo nós, naturalmente, nos apequenamos e precisamos nos juntar a ela. O segundo ponto, vantagem dela, é que ela possuía a total experiência de sentir algo novo, isso é tudo. Nova cidade, novos costumes, novos “idiomas”, de forma com que, se fôssemos bem atentos alguns de nós, perceberíamos que, aos poucos, íamo-nos tornando um pouco lingüistas, um pouco antropólogos, porque constantemente tínhamos a imagem de alguém (inteligente como nós) que pensava sobre a nossa própria cultura, hábitos, clichês, minimalismos etc., de fora. Eis uma espécie de inveja total, e apequenamento, pois, nesse momento nos tornamos “provincianos” em relação àquele que vem de outro lugar (São Paulo). Ela tinha uma história (insuportável para mim) de que um seu ex-namorado foi quem cedeu aos “Virgulóides” o seu primeiro sucesso; o primeiro grande sucesso dos Virgulóides era composição de um ex-namorado da Dani. Interessante, mas insuportável para todos nós, inaceitável, triste etc. Ter de construir uma imagem de um sujeito “exteriorizado sempre”, ou seja “mitificado”, era o fim, porque parecia que este sujeito estava muito à frente de todos nós, que era um herói distante da Dani... insuportável para todos nós, naturalmente. E o namorado que tocava na “Pearl Jam cover”... tão insuportável quanto. É que, na época, os jovens, como nós, como todos os jovens, possuíamos uma terrível e incessante capacidade de sentir inveja. Portanto, a Daniela, ou “a paulista” para alguns, fazia parte de um mundo rock/pop muito maior do que o nosso, talvez não maior do que o meu “autismo MTV”, Nirvana, grunge, Foo Fighters etc. Mas certamente ela gostava, ou era curiosa, por um “autismo” que era apenas nosso: o do rock gaúcho. Graforréia, Júpiter, 7 de Maio. E vejam que essas imagens todas, para mim, não eram muito agradáveis. Isso é o curioso, interessante. A rigor, o “meu 7 de Maio” nunca existiu da forma como a Dani fala ou falava à época. O Marcus e eu estávamos muito mais numa situação de desespero, de niilismo, de esquizofrenia (típica de duplas... aliás... só se é louco em dupla...). Ela tinha a vantagem de sentir aquilo à superfície, mas melhor para ela, porque a nossa profundidade (Marcus e Chu) era desagradável, ou só era agradável porque construíamos a nossa força a partir dos elementos que tínhamos, o rock e a língua. Se forem perceber atentamente, o Marcus e eu sempre fomos muito “Lingüistas”, e as conseqüências estão aí hoje (o Marcus cursa Letras, enfim, e eu Jornalismo, Filosofia). Aliás, isso é muito interessante porque a Dani sempre falava do seu futuro na História, e depois Arqueologia. Vejamos se não temos uma linha por aí, das humanidades todas, de pedaços que se entremeiam. Por exemplo, o Marcus e eu seríamos os típicos sujeitos que detestam a História, que, aliás, é a mesma coisa, num certo sentido, que detestar a família, a tradição, o lugar, sua pátria, seu Estado. Vejam se o esforço do Marcus não foi sempre de dizer que estaria indo para Londres... “vou pra Londres no fim do ano”, “Amsterdã semestre que vem...”... e nunca parte. Então; a Dani já “fez” a sua viagem, já veio de São Paulo. Nosso esforço era de conhecer/criar uma Terra distinta, uma língua distinta (isso tem tudo de Graforréia). Por exemplo, éramos fanáticos pela Graforréia, mas do Cacavelletes e TNT detestávamos. É quase uma separação política... Frank Jorge/Flávio Basso... mas nomes que só interessam depois... Graforréia/Júpiter, depois que eles mesmos perderam seu passado, seus rostos; a rigor, se formos atentos, o Júpiter é que era o mais fascinante, para todos, pois não era só a psicodelia, era a psicodelia, o artista diferente de si mesmo, e o único que conseguia se produzir como artista... desaparecer, se esconder/aparecendo etc. Nesse show do Júpiter (7/6/2004), como de costume, houve um “acontecimento lingüístico”, pequeno, mas que faz parte de outros acontecimentos. A Dani e eu estávamos conversando, nos “reapresentando” (estamos eternamente, nos reapresentando, sempre que nos encontramos) quando eu disse algo, uma resposta... “... é possível...”, e, naturalmente, a Dani achou cômico e repetiu rindo esse “... é possível...”, muito parecido, é claro, com o “... não sei...”. Mas isso tudo evidenciava, já no tempo do colégio, que a Dani tinha uma “cabeça lingüística” também, porque era a única a perceber realmente essas nuanças e estar preocupada com isso, ou selecionar isso no meio de inúmeras coisas. Mas também há o fato de que ela lia (acho que ela já lia na época) Burroughs. Realmente ela procurava muito as excentricidades. Lembro-me de um fato bastante curioso, único. Aconteceu porque o Marcus e eu sentávamos em dupla na aula. Eu criei o “Penileine”, desenhei um “Penileine”, e falávamos muito sobre o “Penileine”. Mas é que achávamos fantástico a Dani se interessar pelo “Penileine”, perguntar por ele, e nós escondermos sempre o seu sentido, seu porquê. O mais interessante é que, eu juro, desconhecia a música dos Beatles “Penny Lane”. E a Dani certamente conhecia a música, acho que o Marcus também, mas eu fui o último a saber do porquê do duplo interesse da expressão, e do mistério envolvendo o “Penileine”, que na verdade não tinha sentido nenhum, apenas estaríamos, como sempre, aptos a construir o sentido depois. O Marcus tinha uma maneira muito peculiar de entrar na minha loucura e eu visitar a dele. Realmente, agora é claro; nós nos defendíamos da turma. Havia o “Grupo Seleto”, expressão essa que a Nanda gostou e passou a usar. O “Grupo Seleto” era nossa vitória. Nós éramos terríveis quando sozinhos, não tínhamos muito talento sozinhos. Só tínhamos o prazer de calcular a chegada ao “Grupo Seleto” (Dani, André, Nanda, Lu e outros) e promover a difusão da loucura pela linguagem, quase um terrorismo verbal, um esconderijo atrás do rock, falar de coisas que só nós entendíamos. Depois de um tempo, agora lembro que, depois do colégio, lá por 98/99 nos reuníamos algumas vezes na casa da Dani, e o Marcus achava insuportável que só se falasse em cursinho, em professores do cursinho. Era muito divertido... deveria ser fatal mesmo ouvir a Baur e o conservadorismo da Ju falando de cursinho, e o conservadorismo do Rogério (estudante de economia!) falando de cursinho e de professores que o Marcus não conhecia... Para ver realmente quando começa um movimento reacionário, conservador... quando se começa a falar muito de cursinho, quando a Ju começa a ter um bebê, quando aumentam as crises familiares de uma Nanda, quando a coisa começa a se tornar muito familiar. Ora, os nômades detestam as famílias e as identificações, e as propriedades.
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