quinta-feira, agosto 23


Sobre obsessões e suspiros.

Eu vivo de obsessões.

A Clarah já falou bem melhor sobre isso do que eu sou capaz, porque ela não tem medo se seus textos vão parecer esnobes, pueris, egomaníacos ou whatever, ela fala. Ou melhor, escreve. Pra entender isso você teria que fazer uma boa viagem no velho, mas sempre legal e talkin’ bout my generation, brazileira!preta. Ela escreveu um texto sobre isso, que se perdeu pela internet, então solicitei o original, e vou fazer uns grifos aqui.

“(...) O que pouca gente enxerga é que a obsessão pode ser algo muito produtivo. Acredito, inclusive, que a arte não sobrevive sem uma obsessão, nem que seja uma obsessãozinha leve (...) O que acontece no mundo moderno, essa porcaria, é que ninguém tem mais dessas obsessões produtivas. As coisas passam batidas, é tudo muito rápido, lê-se um pedaço livrinho aqui, ouve-se um disquinho acolá (ou nem um disco inteiro, uma ou duas musiquetas em mp3) mas nunca além disso, nunca além da superfície. Pouca gente mergulha de verdade em alguma paixão, cria um mundo a partir daquilo tudo. E, o que é pior, todo mundo se acha no direito de opinar, principalmente sobre coisas sobre a qual não sabem porra nenhuma(...)”.

(Saudável Obsessão – C.A. )

O que eu mais gosto na Clarah, é justamente esse lance de mergulhar “até o fim” (invariavelmente ela cita o Bukowiski nessa máxima, o que é lindo, porque hoje tanta gente gosta de Bukowiski, mas poucos conseguem extrair dali a poesia contida no trabalho dele como um todo, eu mesmo não sou uma especialista, li umas 4 publicações, no máximo). Na vida, eu não sou muito dada a ir até o fim, mas ah, com a música é outra história. E até nisso a gente acaba se encontrando, porque gostamos (amamos, idolatramos, morremos) de muitas coisas em comum.

O Frusciante é um bom exemplo. Aliás, a história já começa com o Red Hot Chilli Peppers, nos idos e perfeitos anos 90. Eu sabia todas as letras, eu me movia como o Anthony, às vezes eu queria ser o Anthony, às vezes eu queria ser o Mike Patton (Faith no More), eu dançava com o VHS do Hollywood Rock de 93 (morava em Salvador, não pude ir). Esse VHS está guardado até hoje, quem tiver afim (de assistir aqui, porque ele não sairá daqui) é só avisar. O que eu não entendia era que o John já havia abandonado o barco, e logo os Peppers sairiam do meu campo de visão, pra voltar a aparecer, rá, com o Californication (1999, quando o John voltou), e mesmo assim, eu não dava muita bola, eles haviam me traído, ou era mais um caso desses que eu considerei traição quando a coisa toda se revelou um equívoco.

Bem, isso teve um preço. Eu não fui a nenhum dos shows dessa fase, acho que teve uns dois, um inclusive em Porto Alegre. Não fui. “Tô de mal, eles só vão tocar essas modernices”. Burra. Ouvi todos os relatos que eles tocaram o Blood Sugar quase na íntegra e a “old stuff” com uma bola de pêlo na garganta.

Acho que conheci o trabalho solo do John em 2003 e 2004 (por causa da Clarah, e do João Perassolo, que se tornaria meu parceiro fundamental pra realizar a Róque Town). Eu achava lindo, ouvia o Niandra Lades, o To Record Only Water, e o Shadows Collide, e sempre retomava quando precisava (tem momentos que você simplesmente precisa deles), só que não era só isso, e eu só descobri agora, quando precisei muito. Como eu digo pra uma amiga, as músicas são que nem gatos, elas te escolhem (tipo agora que começou a tocar I´m Always, eu vou explodir o contador do Last FM).

Me sinto imortal com a minha coleção semi-completa (porque não baixei os Ataxia ainda, como é um trabalho que envolve outras pessoas, vou deixar pra segunda fase), pesquisando, pesquisando, dissecando a vida dele, tudo que aconteceu enquanto eu estava fora, e até me sinto culpada por não estar lá quando ele precisava. Eu não concordo com quem separa a vida da obra, eu acho um absurdo separar a vida da obra, não dá pra entender um peido do Frusciante se você não mergulhar até o fim na vida dele. E com a música vai ser sempre assim, foda-se a arte contemporânea que descaracteriza todo mundo e acredita num cocô exposto. Até as próprias obras do Frusci (ele pinta, claro), apesar de BasquiaÍSTICAS, fazem todo o sentido, estando onde estão, no ano que estão, no local e no planeta que estão. Tudo deve ter sentido. Até a “vontade de morrer”.

Ele não se arrepende de nada, ele valoriza todos esses fucking years negros, e credita a esse período a evolução de hoje. Culhões. Culhões de ter coragem de dizer “Hey, eu não fugi de porra nenhuma, eu tava me procurando e achei, e a heroína, foi enfim, minha Heroína”.

Não é como um Anthony, no Scar Tissue (livro sobre a vida de adições e loucuras que ele fez ao longo dos anos, até se limpar), que diz “oh, thanks god, eu me livrei de tudo isso e agora sou feliz e limpinho” quando na verdade sabemos que eles não pararam merda nenhuma. Mas apesar disso, o Scar Tissue é genial. Quem gostar deles, ou tiver curiosidade, leia. Muito revival, coisas engraçadas, coisas boas, com aquela linguagem que parece que o Anthony tá do seu lado, tomando uma cerveja contigo.

Quanto à questão da obsessão produtiva, fazer toda essa viagem dentro de um universo que eu já conhecia uma parte, está sendo a coisa mais deliciosa do momento, desde ouvir os discos mais auto-depreciativos do Frusci (Smile from the streets you hold são mil facadas consecutivas no coração) até ouvir um By the way dos Chilli, completamente despojada de preconceitos, e elevando ele ao segundo lugar no pódio (o primeiro é Blood Sugar, foréva), acompanhando todo o processo de gravação do Stadium Arcadium, um John falando de todos os instrumentos, equipamentos e parafernálias que ele usou no álbum, cheio de referências ao Eletric Ladyland do Hendrix, cheio de coisas modernas ao mesmo tempo... Um universo sônico, futurista. Até isso ele fez comigo, e em 24 músicas eu consigo me deixar levar pelo moderno dentro de uma atmosfera que eu amo, que é o funk rock, o original, o freaky stiley dos meus meninos dos olhos de 15 anos atrás. QUINZE!

Além do fato definitivo, que foi pegar o violão de volta, fazer uma música em 10 minutos, e saber que ainda tenho a capacidade de criar coisas bonitas, mesmo que o mundo real esteja uma merda, difícil de respirar e cheio de dificuldades. É bom saber que tu ainda é capaz.

A música voltou a ser minha prioridade number one, e isso está me trazendo alguns problemas, como uma incrível falta de comprometimento acadêmico, um retorno à ausência maternal, e algumas complicações no convívio familiar. Mas eu preciso disso agora, e espero que um dia eles entendam, não vou abrir mão.

E como disse um amigo ontem: “Não tem heroína no Brasil. Ufa”. Porque cheguei à conclusão que é a única e absoluta droga que eu tomaria. Certamente seria o fim de tudo. Eu não sou o John.

Ainda ontem, a noite foi abençoada com Suck My Kiss num momento catártico e uma constatação de que eu posso tocar Red Hot tranquilamente de novo. E eu fechei o cabaret dançando In Relief com as luzes verdes. Só eu, ele, e as luzes verdes.

Fui dormir over embriagada e feliz ouvindo o The Will to Death.

And the only important moments
Are the in between times
And being confused is an exercise
I’m missing your thoughts tonight
But we reach out to what’s out of our sight

(an exercise – j.f.)

Pra encerrar, o último parágrafo do Saudável Obsessão, da minha parceira de obsessões, dona Averbuck:

“Então, amigo leitor, amiga leitora, se a sua vida anda insuportável, meu conselho é: aprofundem-se. Leiam todos os livros de algum autor, comprem todos os discos de alguma banda, leiam biografias, chafurdem no passado, criem mundos a partir disso. Não há nada melhor para fugir do mundo horrível aqui fora do que uma obsessão”.

Um comentário:

Comentarista Abalizado disse...

Impressionante como eu fico com vontade de ler o que vc tem a dizer (escrever) até o final... Aliás, é impressionante mesmo, pq as citações que vc inclui sempre são ignoradas por mim....