Deixa eu contar uma história sobre teatro... - Parte II
- Só tem um problema.
- Qual problema, Jeff?
- Os personagens, quase todos são homens.
Como eu já disse, éramos umas 20 mulheres, e 2 homens. Um deles era um padre que me visitava na cadeia. Meu melhor amigo fazia o padre, era uma cena de chorar, a gente sempre ria, porque ele colocava uma bata, e dividia o cabelo no meio. Vicente. O Vicente estava para mim assim como o Ramiro hoje, o menino doce e inteligentíssimo ao meu lado. Eu me lembro dele recitando trechos de poesias, de romances, e lendo as redações mega elogiadas. Me lembro do seu caminhar, ele tinha um jeito de caminhar jogando a cabeça de um lado pro outro, sempre, sempre sorrindo, e uma gargalhada maravilhosa. Queria ter uma caixinha pra guardar todas as risadas maravilhosas que já ouvi. Então, esse era o Vicente, motivo de brigas alexandrinas entre eu e meu namorado. Depois falo mais disso.
Eu era o Pedro Bala, organizava todo o bando de meninos de rua, e ainda tirava uma de filósofo de favela. A gente forçava o sotaque, “tava na Bahia, no Beaubourg, no Bronx, no Brás e eu e eu e eu e eu a me perguntar: eu sou neguinha?”. Lembro uma vez que uma turma de supletivo de uma escola estadual foi nos assistir, e um grupo de mulheres que eram nordestinas vieram perguntar se a gente tinha feito laboratório para o sotaque. Um exagero, obviamente.
O cenário era uma atração à parte. Era um quebra cabeças de caixas de feira. As caixas de madeira iam se assentando de forma diferente a cada cena, ora uma barricada do Porto da Barra, ora mesinhas de boteco, ora prisão, ora terreiro...e tinham os jogos de luzes também. Pensando agora, era lindo. Por que não existia câmera digital, hein?
Eu providenciava os cigarros, porque já fumava (que merda), comprava Derby, o mais barato, nós precisávamos de bitucas, usamos as mesmas durante várias apresentações, o cheiro já fazia parte da cena. Tinha ainda umas capoeiras, umas lutas, a menina por quem todos se apaixonavam, praticamente um Peter Pan com a realidade baiana de fundo (hmmm, nunca tinha pensado nisso).
A gente era true, usava uns bonés pra esconder o cabelo, eu tinha uma touquinha do Jimmy Cliff (aquele regueiro que canta “I can see clearly” em cima da montanha), não se depilava...Foi quase um semestre!!!
Tinha uma menina que usava a camiseta do Bahia, de quando meu irmão era bem pirralho. O Daniel fazia um dos guris. Ele era muito bom, tomara que tenha continuado. Tinha a música da Dora: “Dora, rainha do frevo, e do maracatuuuuuu...”, e começava com Berimbau, de Vinícius. Acho.
Chegou o festival, eram mais de 20 colégios que participavam, incluindo aquelas peças onde as pessoas são árvores e flores. Sinceramente, tava fácil pra nós, o futuro Gestus Hibris, e o Catarse. A gente fez uma apresentação ótima, sem erros e muito drama. O final que foi massa, as mulheres tiraram seus chapéus sincronicamente, propaganda de Elsève, e a platéia levantou e começou a gritar. Ou eles eram muito imbecis, ou realmente não se ligaram que era um monte de menina no palco.
Haveriam alguns grupos antes da votação, o namorado fazia cara de cú, fui embora com ele. A briga em casa foi absurda. “O teatro ou eu!”, disse o meu Dom Pedro. Eu tava quase respondendo, quando o telefone tocou, era o pessoal, me chamando pra comemorar o prêmio de melhor espetáculo para o Catarse. Ignorei o pequeno Imperador e o arrastei para onde o povo estava. Chegando lá:
- Melhor espetáculo???? ZUMBIIIIII !!! – diziam em coro
- Melhor ator??? XXXXXX !!! – (não lembro o nome dele, mas era o protagonista de Zumbi, acho que era Luís, tenho um amigo na faculdade hoje que se parece muito com ele, bochechas rosadas, cabelos longos, loiro..)
- Melhor atriz??? Daniela Ribeiro !!!
Glup. Engole seco. Pensa em tudo que tinha acontecido até ali. Ali debaixo daquele montinho coletivo, onde não se respirava mais. O choro vem, concluo e falo baixinho no ouvido do Nicolau II: “Só mais uma, depois eu paro”.
Agora o parênteses. Eu tinha uns 16 anos quando isso aconteceu, e este era o meu primeiro namorado, uns 3 anos de muito aprendizado, onde o maior deles foi fazer concessões, mas não bastou aprender, eu fui às ruínas pelas concessões (sendo que hoje o meu maior problema está relacionado a isso). Um ciúmes (dele) que exterminou qualquer esperança de futuro (o que é conveniente lembrar agora), e a música ia segurando na muleta. Não, muleta não, não se reduz um incremento de experiência musical desse jeito. Contudo, não me arrependo do que escolhi, e tivemos diversas sessões de “desculpas” depois de marmanjos e detentores da própria vida.
Ok, nem tudo se dissolve. Mas qual seria a graça então?
O fato é que eu realmente fiz só mais uma peça. E “tcharans”, o namorado participou. A última tentativa de mostrar pra ele como aquilo era importante. Eu era uma santa de alguma coisa (mas ah Maria Ward, tu me mata), claro que não rolava roupa de santa então era um vestido de noiva, motivo suficiente pra todas as freiras do colégio me chamarem de “Noivinha” até o dia que eu fui embora de São Paulo. Era um lance no Nordeste, e na real todos os personagens eram atores mambembes, o que fazia a peça percorrer várias partes do colégio até terminar no palco. Imagine mais de 200 pais correndo atrás dos “atores premiados” do Maria Ward. Sim, uma piada. Napoleão? Ele liderava os músicos (mas sério?) e usava um macacão de corpo inteiro todo de lantejoulas azuis. Lindeza.
A gente apresentou a peça umas 3 vezes. E depois dei tchau pro povo. Depois de uns dias, o Jeff me parou pelos corredores, e disse:
- E o Catarse?
- Não dá. Meu pai falou que nós vamos pra Porto Alegre.
No próximo capítulo, os melhores momentos, as piadas cretinas, e a bijoux na privada. (aee novela).
- Só tem um problema.
- Qual problema, Jeff?
- Os personagens, quase todos são homens.
Como eu já disse, éramos umas 20 mulheres, e 2 homens. Um deles era um padre que me visitava na cadeia. Meu melhor amigo fazia o padre, era uma cena de chorar, a gente sempre ria, porque ele colocava uma bata, e dividia o cabelo no meio. Vicente. O Vicente estava para mim assim como o Ramiro hoje, o menino doce e inteligentíssimo ao meu lado. Eu me lembro dele recitando trechos de poesias, de romances, e lendo as redações mega elogiadas. Me lembro do seu caminhar, ele tinha um jeito de caminhar jogando a cabeça de um lado pro outro, sempre, sempre sorrindo, e uma gargalhada maravilhosa. Queria ter uma caixinha pra guardar todas as risadas maravilhosas que já ouvi. Então, esse era o Vicente, motivo de brigas alexandrinas entre eu e meu namorado. Depois falo mais disso.
Eu era o Pedro Bala, organizava todo o bando de meninos de rua, e ainda tirava uma de filósofo de favela. A gente forçava o sotaque, “tava na Bahia, no Beaubourg, no Bronx, no Brás e eu e eu e eu e eu a me perguntar: eu sou neguinha?”. Lembro uma vez que uma turma de supletivo de uma escola estadual foi nos assistir, e um grupo de mulheres que eram nordestinas vieram perguntar se a gente tinha feito laboratório para o sotaque. Um exagero, obviamente.
O cenário era uma atração à parte. Era um quebra cabeças de caixas de feira. As caixas de madeira iam se assentando de forma diferente a cada cena, ora uma barricada do Porto da Barra, ora mesinhas de boteco, ora prisão, ora terreiro...e tinham os jogos de luzes também. Pensando agora, era lindo. Por que não existia câmera digital, hein?
Eu providenciava os cigarros, porque já fumava (que merda), comprava Derby, o mais barato, nós precisávamos de bitucas, usamos as mesmas durante várias apresentações, o cheiro já fazia parte da cena. Tinha ainda umas capoeiras, umas lutas, a menina por quem todos se apaixonavam, praticamente um Peter Pan com a realidade baiana de fundo (hmmm, nunca tinha pensado nisso).
A gente era true, usava uns bonés pra esconder o cabelo, eu tinha uma touquinha do Jimmy Cliff (aquele regueiro que canta “I can see clearly” em cima da montanha), não se depilava...Foi quase um semestre!!!
Tinha uma menina que usava a camiseta do Bahia, de quando meu irmão era bem pirralho. O Daniel fazia um dos guris. Ele era muito bom, tomara que tenha continuado. Tinha a música da Dora: “Dora, rainha do frevo, e do maracatuuuuuu...”, e começava com Berimbau, de Vinícius. Acho.
Chegou o festival, eram mais de 20 colégios que participavam, incluindo aquelas peças onde as pessoas são árvores e flores. Sinceramente, tava fácil pra nós, o futuro Gestus Hibris, e o Catarse. A gente fez uma apresentação ótima, sem erros e muito drama. O final que foi massa, as mulheres tiraram seus chapéus sincronicamente, propaganda de Elsève, e a platéia levantou e começou a gritar. Ou eles eram muito imbecis, ou realmente não se ligaram que era um monte de menina no palco.
Haveriam alguns grupos antes da votação, o namorado fazia cara de cú, fui embora com ele. A briga em casa foi absurda. “O teatro ou eu!”, disse o meu Dom Pedro. Eu tava quase respondendo, quando o telefone tocou, era o pessoal, me chamando pra comemorar o prêmio de melhor espetáculo para o Catarse. Ignorei o pequeno Imperador e o arrastei para onde o povo estava. Chegando lá:
- Melhor espetáculo???? ZUMBIIIIII !!! – diziam em coro
- Melhor ator??? XXXXXX !!! – (não lembro o nome dele, mas era o protagonista de Zumbi, acho que era Luís, tenho um amigo na faculdade hoje que se parece muito com ele, bochechas rosadas, cabelos longos, loiro..)
- Melhor atriz??? Daniela Ribeiro !!!
Glup. Engole seco. Pensa em tudo que tinha acontecido até ali. Ali debaixo daquele montinho coletivo, onde não se respirava mais. O choro vem, concluo e falo baixinho no ouvido do Nicolau II: “Só mais uma, depois eu paro”.
Agora o parênteses. Eu tinha uns 16 anos quando isso aconteceu, e este era o meu primeiro namorado, uns 3 anos de muito aprendizado, onde o maior deles foi fazer concessões, mas não bastou aprender, eu fui às ruínas pelas concessões (sendo que hoje o meu maior problema está relacionado a isso). Um ciúmes (dele) que exterminou qualquer esperança de futuro (o que é conveniente lembrar agora), e a música ia segurando na muleta. Não, muleta não, não se reduz um incremento de experiência musical desse jeito. Contudo, não me arrependo do que escolhi, e tivemos diversas sessões de “desculpas” depois de marmanjos e detentores da própria vida.
Ok, nem tudo se dissolve. Mas qual seria a graça então?
O fato é que eu realmente fiz só mais uma peça. E “tcharans”, o namorado participou. A última tentativa de mostrar pra ele como aquilo era importante. Eu era uma santa de alguma coisa (mas ah Maria Ward, tu me mata), claro que não rolava roupa de santa então era um vestido de noiva, motivo suficiente pra todas as freiras do colégio me chamarem de “Noivinha” até o dia que eu fui embora de São Paulo. Era um lance no Nordeste, e na real todos os personagens eram atores mambembes, o que fazia a peça percorrer várias partes do colégio até terminar no palco. Imagine mais de 200 pais correndo atrás dos “atores premiados” do Maria Ward. Sim, uma piada. Napoleão? Ele liderava os músicos (mas sério?) e usava um macacão de corpo inteiro todo de lantejoulas azuis. Lindeza.
A gente apresentou a peça umas 3 vezes. E depois dei tchau pro povo. Depois de uns dias, o Jeff me parou pelos corredores, e disse:
- E o Catarse?
- Não dá. Meu pai falou que nós vamos pra Porto Alegre.
No próximo capítulo, os melhores momentos, as piadas cretinas, e a bijoux na privada. (aee novela).