terça-feira, janeiro 2

Hoje o céu finalmente está cinza, como deveria ser em São Paulo.

O que eu tenho a dizer sobre o ano novo. Bem, ontem eu não tomei banho e dormi quase o dia todo. Não saí, não bebi todas, não dei vexame. Simplesmente estava cansada.

Sinto que rolou a abstinência da febre litorânea. Os últimos finais de ano aconteceram todos à beira da praia, e embora eu não esteja feliz de assumir isso, estou sentindo falta. Da insolação às 7 da manhã, da pele queimada e principalmente da água. A “síndrome de peixe grande”, sabe. A água me faz muita falta, e a do chuveiro não serve. Percebi que meu corpo estava acostumado com esse ritual de revitalização só agora, e talvez seja esse um dos agravantes para que eu não ache graça nenhuma em São Paulo. Lembrando agora, os momentos que desencadearam uma cadência de sorrisos na minha cara foram as corridinhas na garoa.

De repente vou dar mais um par de saídas por aqui. Até a Pinacoteca ver uma exposição de material Mochica (pré-colombianos), e me arriscar a sair outra noite, sem ânimo nenhum.

Me dou conta também que não fiz nenhuma resolução especial. As coisas estão tão legais que não precisei pensar em mudar nada. Só voltar pro boxe, mas era algo esperado, pois só parei por motivos estruturais.

Talvez eu deixe o cabelo crescer de novo...E leia um Dostoievsky.

***

Das coisas escritas antes de 2007.

Dez_2006 – Angatuba – SP

Depois de muitos anos, aqui de novo. Cidade pertinho do fim do mundo, terra da família do João Gordo (não que isso mude algum fato, é só pra ilustrar). Meu habitat nos finais de semana de 1991 a 1994.

Hoje se organizou uma mega festa de aniversário pra minha vó, que celebra 74 anos aturando uma trupe de 6 filhos (e cônjuges), 10 netos, 1 bisneto genético e 1 “torto”, como ela diz. Era uma festa surpresa. Não preciso dizer que quase mataram a velhinha.

Essa casa cheira à adolescência, a minha. A cidade toda, na verdade. Território que eu desbravei, sozinha, acompanhada por muitos, ou por alguns mais especiais. Foi aqui que eu aprendi todas as coisas boas e ruins da juventude. A noite, a cerveja, o som alto, os beijos no meio do mato, um primeiro namoradinho...

Era um baile desses de interior, com uma banda dessas de interior. Já tava de saco cheio de ouvir axé e música sertaneja. Eu tinha 11 anos e gostava do Mike Patton.

Até que vi esse cara, ele era lindo. Olhos amendoados, boca suculenta (ok, com 11 anos eu não usava o termo “suculento”), cabelo bagunçado (os Strokes ainda brincavam de Comandos em Ação), o homem perfeito.

Claro que alguém conhecia ele, todo mundo se conhece aqui. Fomos apresentados. Uma menina rebelde de 11 anos, um “country boy” de 16, esperávamos uma luz. Que não surgiu, é claro, então ele me chamou pra dançar. “Evidências”, do Chitãzinho e Xororó...

Por algum motivo, eu gosto dela até hoje. Acho uma boa música.

Mas olha! Ele era músico! Tocava teclado numa banda cover de U2 e outras coisas desse naipe. Foi nessa época que eu comecei a tocar também, não imagino o porquê.

Porém esse lance de banda era só nos fins de semana, nos dias úteis ele administrava uma fábrica de farinha de milho.

Nunca tive fantasias com mecânicos imundos, mas ainda lembro perfeitamente do James sem camisa e todo enfarinhado, com as bochechas rosadas de vergonha.

O James era lindo. Esse era o nome dele.

A gente se falava pelo telefone, e se via no final de semana, até que, aos poucos eu fui deixando, deixando, e deixando de ir pro interior. Então rolou a ligação do “não dá mais”. A gente chorou, pelo que eu lembro.

O tempo passou, eu voltei pra Angatuba, ele tava namorando uma menina da cidade. Fui de novo, conheci a garota, e até demos algumas risadas juntas. Com direito a ele me puxar de canto em algum momento e dizer: “ela não sabe de nada, não conte, ok?”. E eu consenti, mesmo achando ele mais lindo que nunca, com os cabelos bem longos, com ares de vampiro de Nova Orleans.

(essa deve ter sido a primeira vez que fui solidária com um ex....GOSH...será que eu nunca vou parar com isso?)

Na terceira vez, soube que ela estava grávida. Veja, esse lance de ficar grávida antes dos 20 anos ainda não havia acontecido no meu círculo social. Decidi não encontrá-lo mais. This game, you loose.

De qualquer forma, é só botar os pés nessa cidadezinha que eu penso nele. Será que ele é feliz? Está casado? Dormindo agarradinho com o filho?

Não tinha nada pra fazer, e a única coisa pra ler era a mini-lista telefônica de 10 mil habitantes.

Está lá: ...JAMES..., endereço tal, telefone tal. E o endereço da fábrica de farinha de milho também, ainda com o mesmo número de telefone que eu ligava há 15 anos atrás.

Ainda tenho amanhã pra pensar no que fazer.
*

O Amanhã, narrado depois de 3 dias.

A fábrica ficava na rua da minha vó, então eu fui até o mercadinho pra comprar iogurte pro Vince, com o propósito de passar ali em frente.

Tinha uma criança sentada na escadinha da porta, mas muito velha pra poder ser o filho dele, então ignorei. Lá dentro, um peão que não tinha jeito nenhum de fazer parte da família, os meninos eram muito bonitos (eu devo dizer que algum tempo depois eu tive uns flertes com o irmão dele, que era outro sex symbol da cidade, embora muito, mas muito mais sem vergonha e sem talento).

Eu não entrei, nem fui perguntar por ele, nem liguei, nem nada. Só mencionei o nome pra minha tia, que era amiga dele, mas ela também, morando em outra cidade, nunca mais havia ouvido falar do James. Assim como o marido dela, que também participava das nossas noites loucas no interior, e até me relatou a vida inteira de um outro caso que eu tive por lá.

Me despedi de todo mundo, dei um abração na vó, porque nunca sei se ela vai estar lá da próxima vez. Entrei no carro. Tinha uns 5 pacotes de Farinha Bom Jesus ali no banco.

3 comentários:

Comentarista Abalizado disse...

Nunca passei um Ano Novo na praia... Acho que é por isso que sou meio parado, nunca me revitalizei...Hahahahaha
Mas meus finais de ano em São Paulo sempre foram melhores do que os em POA... Sempre me divirto muito aí, até quando é ruim...

Comentarista Abalizado disse...

Quanto à cidadezinha, adoro cidadezinhas... Eu acho familiares até as cidadezinhas que não têm nada a ver comigo, aliás, nenhuma cidadezinha fez parte de minha vida, mas gosto de todas! Imagino, então, para vc, deve ser um charme de cidade, ainda mais com tanto significado.

Comentarista Abalizado disse...

Quanto ao seu galã enfarinhado, começo a desconfiar que parte de meu costumeiro insucesso esteja associado a este meu excesso de zelo e distância das poeiras... Mas, da forma que eu suo, se me cobrisse com farinha, no final de dia eu limparia bolinhos...
O James sempre será maior do que os próximos. Aquele que fica na lembrança sempre é melhor...