quinta-feira, maio 25

Leila gone wild (pero no mucho)

“Tchau mãe.”
“Tchau, filha.” – diz a mãe, um pouco atordoada, com lágrimas nos olhos.

Leila sobe no ônibus, espera as velhinhas senhoras de alguma excursão estranha se acomodarem, e segue pro fundo do ônibus. Mal senta ao lado da janela, e já sente os motores sendo ligados, afasta um pouco a cortina pra poder vislumbrar a viagem longa que vai fazer.

Há dois meses atrás ela estava no quarto terminando um trabalho, o qual ela julgava ser importante, e sua mãe entrara como um relâmpago, reclamando da bagunça e desorganização que se encontrava aquele cômodo. Leila sempre dizia que ia arrumar, guardava uns papéis pra mãe pensar que a ordem tinha sido atendida, e depois voltava a fazer o que realmente era prioridade.

Existia uma certa resistência natural para que organizasse o quarto. A baderna de livros, polígrafos, cd´s e dvd´s a confortava, no sentido de que, esse sim, era o quarto de um artista trabalhando. Leila é uma artista, não havia um motivo específico pra arrumar suas coisas, era desse jeito que conseguia se encontrar e se inspirar...uma palavra “jogada” por cima dos móveis às vezes era o sinal de um dia ganho.

É verdade que ela não sabia pra que lado iria pender. Se escrevendo, poesia ou prosa; compondo, letra e melodia; pintando ou esculpindo. Bem, não os últimos. Das artes plásticas já havia desistido, porque tem as mãos pesadas. Para isso ela encontrou outra solução: o boxe.

Seu universo estava entre letras e som, definitivamente. Também havia uma queda para o palco, atuar, ser uma estrela do rock, etc. Mas com o tempo foi percebendo que, embora se dê muito bem nesse patamar, seu raciocínio é de um produtor atormentado tentando atingir a perfeição e se frustrando em ciclos. Seu universo, logo, era o backstage. O pseudo-anonimato, o burburinho de trás das cortinas, o ponto final antes de mandar o manuscrito pro editor. Gostava de se colocar no sub-contexto, de ser subliminar, encontrada nas entrelinhas. Acreditava que sua fama ia se dar justamente por agir dessa forma. Inesquecível, porém nunca lembrada.

Tinha um amigo que sempre dizia que “ser gênio é fácil, o difícil é ser estimulado”. Talvez fosse o seu caso, e a razão pela qual ela cultivava seu jardim babilônico em cima da escrivaninha.

Foi então que resolveu escrever a coisa mais óbvia do mundo. Uma ópera rock.

Sim, era perfeito. Contar a história da sua vida breve, com muita música e lirismo literário. Não ia perder tempo criando personagens, porque eles já existiam, e ao mesmo tempo não ia ser mais uma beatnik de internet arremessada ao ostracismo num weblog qualquer por aí. A arte imitando a vida, dramalhão e rock and roll.

Passou a pensar em Tommy, Hair e The Wall diariamente, constatando que eram todas obras políticas, e ela queria a política longe da sua história. Os temas políticos já desgastados por si próprios e sempre repetitivos não combinavam com a atmosfera glamourosa que criara, mas também não queria fazer um musical como os atuais, que apenas documentam momentos específicos, com um roteiro pobre que acaba se prendendo à vida privada dos protagonistas, tirada de alguma biografia não-autorizada. Ela queria uma ópera, com várias problemáticas (ficcionais ou não), vários núcleos e todas as músicas inéditas, porém plagiadas de alguma outra (afinal, o rock é isso). E o mais importante. Ela teria que ser impossível de se adaptar para o cinema, ou ficar ridículo em película, a exemplo de Cats. O trabalho iria ser árduo.
A partir de então, Leila ia pra rua e enxergava um imenso teatro de arena, um Coliseu, onde a luta pela sobrevivência social se fazia míster. Bares, casas de show, chimarrão na praça, romances e fofocas, foram aos poucos encorpando páginas e páginas de um roteiro caótico.

Concluiu sua obra com um ponto final na quinta página. Não se viu capaz de dar continuidade àquilo. Faltavam-lhe argumentos pra discernir o porquê da história ter ficado tão desmembrada, os temas sobrepostos e os destinos dos personagens indefinidos.

“É sobre a minha vida, diabos.”

Deu uma olhada no seu saldo bancário. Ainda estava negativo, mas tinha um limite que lhe permitiria tomar a atitude correta no momento. Foi quando sua mãe entrou no quarto pra reclamar da bagunça, mais uma vez.

“Mas você não arrumou essas porcarias ainda? Eu vou jogar tudo fora.”

“Pode jogar, eu vou pra Livramento”

“Fazer o que em Livramento?”

“Comprar umas coisas pra mim”

O silêncio se abateu entre as duas. A mãe vai até a sala e fuma um cigarro. Suspira forte e volta na porta do quarto.

“Quer uma carona até a rodoviária?”

“Uhum.”

Leila arruma uma mochila pequena e segue a mãe na porta, de cabeça baixa, já divagando sobre o que vai escrever durante o trajeto do ônibus. Algo diferente de tudo que já havia pensado antes.

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