quarta-feira, fevereiro 15

Tu (NÃO) te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.

(ou A mãe que desaprovou a sessão do filme O Pequeno Príncipe)

Aquela frase bonitinha que você escrevia nos cadernos das amigas, e a única coisa que você realmente deve lembrar d'O Pequeno Príncipe (desconsiderando as Misses, claro, elas sabem até de trás pra frente, principalmente a parte da cobra). Eis que chega um dia que você enxerga a fraude que ela é. A ferramenta antropológica que ela simbolizou.

Efêmero, as coisas mudam. Eu mudo, você muda, todos mudamos. É uma injustiça extrema com a nossa psiquê, que fiquemos atrelados à todas as pessoas que fizeram parte, ou atravessaram nossa vida. Cativar, hoje em dia, é um ato de sobrevivência.

Cativar - do Lat. captivare
verbo transitivo
tornar cativo, prender; dominar; escravizar;
figuração
aliciar, seduzir; tornar grato.

Analisemos apenas a diferença do sentido literal e do figurado. Tic Tac Tic Tac Tic Tac Tic Tac......

Uma vez que o sentido original tem uma conotação possessiva (e daí eu podia falar de Imperialismo em plena Segunda Guerra Mundial, o livro foi escrito em 1943!), acredito que Saint-Exupéry quis dizer exatamente isso. Deixou gravado na mente das crianças a imagem da raposa reclamando afeto, mas, a meu ver, a raposa estava tão acostumada a subordinar-se aos caçadores - e as raposas são conhecidas por serem tão espertas - que viu a "amizade' com o pequeno garoto como sua última cartada, sua última chance de sobreviver. Não, uma raposa nunca seria amiga de um ser humano.

Por outro lado, o sentido figurado é o romantismo a que todos nós, crianças, nos apegamos. É o sentido que nos CATIVOU. Tornar grato , fazer com que, esquematizar, confabular a fim de que o outro se torne grato a ti. É meio estranho não? Eu acho. No senso comum do qual eu faço parte, conserva-se a idéia de tomarmos atitudes sem a cobrança do agradecimento, do reconhecimento. Mesmo que seja um valor um pouco católico (ou completamente), ainda confio nele, mesmo que disfarçado.

O que nos leva ao verbo CONQUISTAR. Substitua na frase infame:

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que conquistas.

Foneticamente é feio. Mas parece fazer muito mais sentido. A sua conquista é lembrada pra sempre, é uma glória que, pequena ou grande, será sempre imortal, eterna. Independente de como é o final.

Ironia, o seu sentido figurado é o que mais destruiu os homens ao longo dos tempos. Se fizermos uma analogia com o primeiro verbo, chegamos a conclusão de qual é o caminho mais adequado pra legitimar um ato emocional. E a veracidade da frase que o Pequeno Príncipe, do pequeno planeta, ouve da raposa, é anulada.

O que? Mas foi assim que ele lembrou da sua rosa?

Pois veja, mesmo rabugenta, pretensiosa e exigente, ela o conquistou, ao invés de mendigar gratidão.

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