De vez em quando eu decido ser mulher, de vez em quando o mundo exige que eu seja, ele implora na verdade, e daí eu vou lá. Toda montadinha, falta corpinho ainda, eu sei, mas já me conformei que homens que perambulam pelo centro da cidade não ligam pra isso, é só vestir uma calça atolada que a sua vida deixa de ser ordinária. Eu tenho colegas que dizem: “oh! Quando eu quero levantar a minha auto-estima eu vou passear no centro, daí eu ouço um monte de gostosa! e vou te chupar todinha!" Como assim? Se ouvir esse tipo de comentário fizesse bem pro meu ego, eu iria trabalhar de estátua viva lá na frente da Praça da Alfândega, travestida de Rita Cadillac. Pelo contrário, eu até já desisti de algumas aventuras maravilhosas do rainbow pride por causa de palavras desse calão sussurradas no meu ouvido.
É, eu tenho que assumir que dirty talking não é o meu forte, prefiro mil vezes sentir uma boca ofegante no meu pescoço, do que ouvir qualquer coisa que possa me ofender em determinado momento. Ser selvagem é uma coisa, ser vulgar é outra.
Mas o assunto não é esse, a pauta é eu, mulher. Então, depois de um dia de trabalho igual a todos os outros, eu me mandei pro habitat natural das mulheres, aham, o shopping. Com o pretexto de pagar umas contas lá fui eu satisfazer as necessidades florzinhas que ainda são parte de mim, e produzir mais algumas despesas. Porque assim como toda mulher, o que eu faço melhor, depois de sexo, é gastar.
Analisei por um tempo e percebi que as lojas estão abarrotadas de trapos caríssimos, trapos sim, a moda agora é pegar o meu jeans mais fodido e colocar no multiprocessador (aquele, da cozinha mesmo, que pica carnes e legumes), e juntar os retalhos todos do quarto de costura da vó pra fazer uma blusinha HYPE e pintar uns anagramas orientais nela com Liquid Paper, pra dar um certo relevo borrado...A cultura oriental é maravilhosa, mas eu não vou usar algo que não faço idéia do que se trata, pra que um dia chegue um japa e fique tirando uma comigo na rua: “ahá hein! Tu come pedra, sola de sapato e ama uma calcinha furada!” ........não............não vou me arriscar.
A minha urgência é com lingerie, sabe? Depois de algum tempo como mãe a gente deixa de reparar na gaveta de calcinhas e quando se dá conta ela tá virada num lixão, não dá nem pra repassar para pessoas mais humildes (aqui em casa a gente tem o ritual da reciclagem de vestuário nas trocas de estação, eu recomendo). De uns tempos pra cá eu ando fazendo assim, uma vez no mês eu vou lá e compro uma calcinha nova, e jogo uma velha fora, agora já estou num estágio mais complexo, porque só restaram aquelas calcinhas fera, super confortáveis, todas descosturadas e laceadas que tanto fazem bem para a nossa circulação, acho que essas vão continuar aqui até que a minha vida “social” se reestabeleça, porque ta foda, aliás, não tá nada foda, fé em deus.......fé em deus....
Eu decidi comprar sutiãs, porque nesse departamento eu ainda não havia mexido, por muitas razões: engordar 30 Kg na gravidez e amamentar 1 ano e meio nos leva a uma certa deficiência estética, e meus peitos ainda tem uma ponta de estoque láctea, então eu tinha (tenho) esperanças de que ele ficasse menor, menor sim, odeio peitos, eles atrapalham pra tudo, ficam balançando quando não devem, me incomodam pra tocar, ocupam um espaço indevido nas roupas, etc, etc...A falta de grana e o exercício de usar as peças íntimas até que elas se deteriorem também contribuíram para a protelação da compra de novas peças.
Porém, um dia como esse merecia uns “eu-me-preciso” decentes, desses “segura-peitos” mesmo, porque estou mulherzinha, e não posso permitir que as conseqüências de 30 kgs de gravidez + um ser chupando os meus respectivos de hora em hora durante 1 ano e meio (eu sei que isso pode gerar telas mentais em alguns leitores, mas o assunto é sério, eu peço a gentileza de que pensem nas suas respectivas progenitoras) fiquem assim, estabelecidas na minha silhueta.
Depois de experimentar uns 1248735278589352 modelos, achei 3 que ficaram bárbaros, ou seja, colocaram as coisas nos seus devidos lugares, bem em cima e bem apertados, o mais não-volumoso possível, um preto, um branco e um vermelho, afinal, alguma coisa eu preciso fazer pelo Timão (nada a ver isso), essa é a segunda vez na vida que eu vou ter um sutiã vermelho, massa, eu realmente preciso sair do pretinho básico...agora preciso comprar uns corsets de latex e virar praticante de S&M.
Fui comer uma batata inglesa, porque tive um desejo incomensurável de comer batatas, e depois casa, de ônibus né, e no ônibus me aconteceu algo estranho...
O ônibus vazio, umas 5 pessoas espalhadas pelos bancos, eu me espalhei literalmente com a minha sacola e meus pés cansados de andar de saltos o dia todo (a campanha do desarmamento deveria incluir sapatos de salto alto também), uma parada adiante entra um rapaz normal, jovem universitário, porém muito chapado, olha pra todos os bancos e senta do meu lado!!!! Porra!!!! O ônibus vazio cara!! Ele teve a audácia de me pedir licença pra sentar do meu lado!!! Eu como sou a sempre boa samaritana permiti né, fazer o quê, um encosto pro fim de noite.. Aos poucos eu fui notando que o cara não estava em condições normais mesmo...Um cheiro, mas um cheiro, um BUDUM como dizem os gaúchos, de árco né! Árco é foda, ainda mais quando as pessoas não se limitam à cervejinha ou vinho...não, esses jovens universitários tem que tomar o que tiver de pior e mais inibidor de sensatez possível, e vir sentar fedendo do meu lado, cambaleando pra cima de mim, me observando olhar as horas do meu relógio e logo após perguntar se eu tinha horas, assim não dá!!!! O meu maior medo não era de assalto, nem de estupro, nem de qualquer tipo de assédio que fosse, meu pavor era que o cara resolvesse vomitar todo aquele porre em cima de mim, daí eu juro que ele ia morrer, sufocado no vômito que tivesse caído na minha roupa, eu juro! Daí quando eu me acalmei (depois que ele desceu, certamente), eu fiquei pensando que poderia existir uma nova categoria de pessoas solitárias no mundo, é, pessoas tão carentes, mas tão carentes, que enchem a cara e saem por aí andando de ônibus pra poder ficar em companhia de alguém, mesmo que seja essa companhia indireta e muda, pq eu acho difícil alguém puxar papo nesse tipo de situação. Fora que tem que estar bem chalau mesmo pra fazer algo do tipo, porque todos os restantes do ônibus ficam olhando pra sua cara e pra cara do cidadão imaginando o que pode estar acontecendo. Da próxima vez que algum desconhecido quiser sentar do meu lado, mesmo que o transporte coletivo esteja vazio, por favor identifique-se e esclareça o motivo de tal atitude, eu serei bem mais simpática do que fui com o jovem universitário.
Ah! E pra não ficar tão mulherzinha assim, eu comprei uma camiseta infantil do Batman, linda, linda....e toda minha!! Vou usar no show, depois eu conto do show.