segunda-feira, maio 28


Egiptonando por aí – segunda edição.

O ano passado eu participei da minha primeira Jornada de Estudos do Oriente Antigo, que de fato já era a XII. Acabei resenhando num desabafo de ócio, e pra seguir o fluxo, vou tentar resenhar a desse ano também, já sem quase tempo ocioso muito menos tempo a perder. Mas enfim, achei importante o registro.

XIII Jornada de Estudos do Oriente Antigo: Vanguarda e Tradição da África no Mundo Antigo.

A primeira vez que li o tópico desse ano, estranhei. Quando da inscrição, continuei estranhando. Mas confiante, fui lá e me inscrevi, achando que essa história de África no meio de um bando de egiptólogos ia dar pano pra manga. E deu.

Este ano a Jornada teve 3 dias de duração, o que matou meu fim de semana, minhas festas e comprometeu o meu desempenho sexual, coisas gravíssimas, mas me deu muitas idéias e a chance de me retratar com algumas pessoas que eu critiquei na resenha passada.

Primeiro Dia

Nossa flâneur faz as honras de abertura, falando de hibridismos, transculturações, essas palavras que depois a gente vai usar em todos os contextos possíveis (e nas provas dela, claro). Flâneur porque, com o decorrer do texto, o leitor vai entender a posição de flanadora da anfitriã.

A primeira e mais esperada (por mim) palestra do dia era sobre a ópera Aída, de Verdi. O palestrante falou sobre a história da ópera, o que foi ótimo porque não conhecia direito, mas o que eu queria mesmo era ouvir a Marcha Triunfal ecoando pelo anfiteatro. Eis que entra uma violinista, um trompetista e uma pianista. E só. Arranjo pra 3 instrumentos. O trompete desafina e perde o fôlego. Na melhor das hipóteses, um fiasco.

Después, El Dr. Castillos, representante do Instituto de Egiptologia do Uruguai, discorrendo (correndo...correndo...correndo) sobre 25 séculos de egiptomania. Algumas piadinhas boas (de historiador, que não adianta eu descrever aqui pois não será engraçado pra mais ninguém, coisas sobre o nariz de Nefertiti e afins..), e outras tantas meio preconceituosas que ao longo da jornada viraram agravantes de um motim.

Esse dia começou de noite (arran), tinha mais uma palestra, mas eu sou mãe e fui embora, e era algo sobre as concepções de tempo nas sociedades africanas. Hein?

Segundo Dia

Aproveitei que o dia começava com as comunicações pra dormir. Essa dormida a mais virou uma manhã perdida porque o frio complica a vida e eu tive uma pielonefrite (infecção renal) do tipo CONAN. Perdi o Mestre Júlio Gralha e suas receitas de comidas alexandrinas. Mandarei email.

E então começo bem a tarde. Do lado direito do ringue, pesando alguns séculos, Mr. Harry Rodrigues Bellomo (Ave Bellomo!), indo pra loooooooonge do Egito, passeando por algumas ruazinhas de Volubilis (a palestra era sobre os caminhos romanos no norte da África), e achando várias brechas pra falar de putaria e fazer o povo rir. Melhor professor.

Só que ele queimou o tempo, e do lado esquerdo do ringue já se encontrava um Arnoldo Doberstein puto da vida, com várias coisas. Sua palestra, a única que até então abrangia a questão mais polêmica da jornada. A origem egípcia quanto às etnias, em outras palavras, se os egípcios eram ou não da negra cor. Enquanto Bellomo queimou o tempo, Arnoldo botou fogo no anfiteatro, assumindo que sua palestra seria exatamente igual às aulas, e que todos fazem isso, e este era o motivo pelo qual a África estava subentendida nas pesquisas dos colegas, e que a questão negra estava sendo omitida, e enfim, que os negros estavam se omitindo. O povo vai ao delírio.

Pra acalmar os ânimos, voltamos ao papai e mamãe do Egito, e um professor da Uniandrade falou sobre a mumificação de animais. Era interessante, mas depois do baque arnoldístico, não causou muito impacto. Até porque houveram rumores que o rapaz apresentou um trabalho semelhante há duas jornadas atrás.

Logo, os novos estudantes começaram a perceber como funciona um ciclo de congressos na vida acadêmica. Ou seja, tu apresenta o mesmo trabalho sempre, quando alguém notar, tu muda o objeto e mantém a pesquisa, quando a instituição que te financia notar, tu dá uma risadinha e muda, mas continua apresentando aquele trabalho antigo onde não te conhecem direito e tu é estrela de fora.

E então aquele momento inacreditável, Obeliscos, de novo! Porra. Sem mais comentários. Porra. Má vai fazer análise.

Primeira retratação. Prof. Fábio Vergara, eu te amo. O professor de Pelotas, que na outra edição eu fiz comentários infames, passou, ao longo do ano, a ser um dos grandes focos da minha admiração. Afinal, ele lida com arqueologia e música, provavelmente o que eu vou seguir. Nesta jornada ele trouxe fotos de construções e fachadas egiptomaníacas no interior, e me deu um insight incrível sobre egiptomania em motéis. Aguarde minha pesquisa, Cid.

Então né, Arno Kern apresentou as escavações recentes em Alexandria. Esse cientista que será meu orientador um dia. Melhor palestra de longe. Abstenho os comentários.

Fui embora e perdi Moacyr Flores, o queridjinho da garotada. Perdi outras coisas também, mas como ninguém comentou, foram ruins.

Terceiro Dia

Cheguei no final da Zilá Bernd (que eu pretendia assistir porque ela me é mentora bibliográfica em outra pesquisa), que falava sobre o “impacto dos fenômenos transculturais na pós-modernidade”, mas daí eu pensei: hein?

Em seguida, Regina Bustamante (da escola metodistiquésima do Rio de Janeiro) apresentou os mosaicos de caça afro-romanos. Bem interessante também como contingente de cultura material. Mas a gente queria é ouvir falar dos negros sumidos da história, e tudo já se tornava meio chato.

Pra arrasar corações, eis que sobe à tribuna Mamadou Abdoul Vakhabe Sène, um senegalês chef de cuisine do SENAC, pra falar de comida africana. Ele acaba falando sobre tudo que o público esperava há dois dias. O povo vai ao delírio e quer botar gengibre e açafrão em tudo. E também quer o telefone de Vakhabe.

Antes de sair pro almoço, Arnoldão convida os alunos para um bate papo ao sol, porque tava frio bragarai. Achei bonito, e inocente. Psss.

Comi um xis coração com bacon, meio frustrada.

E o momento ímpar.

Eu e um povo, ainda inocentes, fomos procurar Arnoldão. Já tinha uma roda em torno dele. A revolução inflamava.

Reclamações, debates sobre o ensino digressivo do lutador Harry Rodrigues Bellomo, contagem de quantas vezes ouvimos a palavra “obelisco”, enumeração das escolas teóricas contidas no anfiteatro, considerações sobre a roupa íntima combinando com o cachecol de um e outro e Arnoldetz só largando “as morta” pra atiçar mais a galera.

O resultado disso foi a formação de um novo grupo de estudos sobre Oriente Antigo, que eu ainda não sei se vai funcionar, mas se metade levar a idéia adiante já vai ser divertido. Como eu não ia poder participar desse grupo, principalmente por falta de tempo, só tinha uma coisa que ficava na minha cabeça, assim, batendo devagarinho, aquelas pessoas, naquela pequena alameda em frente o prédio 40, Oswaldo Montenegro com um sorriso maroto filmando antropologicamente aquele brainstorm coletivo que acabara de incitar... Arnold Lane – Arnold Lane – ARNOLD LANE!





Arnold Layne had a strange hobby
Collecting clothes
Moonshine washing line
They suit him fine

On the wall hung a tall mirror
Distorted view, see through baby blue

Oh, Arnold Layne
It's not the same, takes two to know
Two to know, two to know
Why can't you see?

Arnold Layne, Arnold Layne, Arnold Layne, Arnold Layne

Now he's caught - a nasty sort of person.
They gave him time
Doors bang - chain gang - he hates it

Oh, Arnold Layne
It's not the same, takes two to know
Two to know, two to know
Why can't you see?

Arnold Layne, Arnold Layne, Arnold Layne, Arnold Layne

Don't do it again

E a multidão grita: Obrigado, Syd Barret!!!

Isso foi só dentro da minha cabeça. Mas irá pro livro das memórias. E se tiver um filme já tem trilha.

Deixa eu tentar continuar. As próximas palestras só potencializaram os espartanos a partir de então, e de repente todo mundo virou negro. Antropologia, adooouro.

Uma professora da rede estadual de ensino começou a levantar seus estudos de História da África em colégios, pois de acordo com a lei 10 mil e trá lá lás, o ensino de cultura e história afro são obrigatórios agora. Do reino Núbio ao Grande Zimbábue, e a platéia aplaudia até os espirros da mulher.

Mas peraí, não estávamos falando da vanguarda africana no MUNDO ANTIGO? Onde se perdeu o fio da meada? Aliás, onde começa o fio da meada? Vamos flanar para a outra palestra...

Señor Castillos começa de novo verborragicamente, a ler um de seus textos pré-dinásticos sobre o Egito pré-dinástico. Estava tudo muito bem enquanto eu copiava as pontas de flecha e artefatos do telão, mas ele faz piadas sarcásticas sobre verdades absolutas nas aulas do Arnoldo. As perguntas são vetadas ao final do debate. Me sinto em Brasília.

Mesa redonda, que na verdade é uma mesa autista, uma vez que cada um apresenta seu trabalho monorrandomicamente, liderada pelo atual campeão dos pesos pesados, Arnoldo da Alameda, também sobre o ensino de África nas escolas. Nasce então o bebê de Rosemere. Professora do ensino estadual que bota ordem na sessão falando de preconceito e transgressões deliberadas no currículo escolar. Rosemere é ovacionada e rega a plantinha da nova resistência.

Por fim, a segunda retratação com Prof. Baldissera, que não é padre, mas é ator, e descobri, um muito bom ator. Faz a leitura dramática acompanhada de um vídeo de animação do conto A ilha da serpente, da XII dinastia. Trimmmassa.

Pra encerrar essa Jornada estranha, a melhor frase é a do encerramento do conto narrado, desculpe aí o inglês, porque eu não lembro a transliteração. Mas fica até melhor:

"Become a wise man, and you shall come to honor,' and behold I have become such."

Um comentário:

Comentarista Abalizado disse...

1) Eu nunca consegui conter a admiração pelo Grande Bellomo... sempre haverá uma porção de gente canalha para criticá-lo, mas, duvido que saibam 0,0001 do que este professor sabe e, pelo que vejo de sua lucidez, saberá até o fim da vida.

2) Arnoldo Doberstein e seu jeito da fronteira conseguem ser perfeita união entre o científico e o coloquial. Aliás, este é um maravilhoso exemplo de como um professor pode ser rígido sem ser odiado. Afinal, ele é claro e justo. Exemplo a ser seguido.

3) Não gosto quando misturam ensino com preconceito. Claro que nossa formação foi idealizada por uma elite branca, mas, se ficarmos debatendo nesta esfera, logo estaremos criando cotas para os estudos (x% para cultura negra, y% para conhecimento indígena, etc...). Penso que a análise precisa contemplar o que é importante, seja obra branca, negra, cafuza, mameluca... Cientistas precisam ser esclarecidos de forma suficiente para conseguir mensurar a grandiosidade das passagens, sem pensar em etnias, isto, sim, será usar a razão em pról do ensino.

4) Pena que estive ausente!!!