Hey Jack. Jack!
You´re in my world now.
Eu sempre gostei de pronunciar Jack como a Lucy do Bram Stocker´s Dracula. Não me importa o nome da atriz, importa que ela foi uma Lucy abençoada, e pronunciava o nome do Jack da maneira que nem eu teria resistido se fosse um Jack. E se for pensar mais a respeito, se fosse a Lucy teria escolhido o Jack pra desposar, e não Arthur. O Jack era mil vezes mais humano.
Preciso escrever porque terminei meu primeiro livro do Jack (Kerouac). Foi tão difícil todas as vezes que tentei, e me sentia burra, e apequenada por isso. Vagabundos Iluminados era o romance certo, e mais precisamente, foi lido na hora certa.
Quando comecei O Livro dos Sonhos e On The Road não entendia nada. Estava submersa na literatura diabólica e mundana do Bukowiski e nas viagens alucinógenas do Burroughs. Achei ingenuamente que o Jack seria tão podre e mesquinho como eles. Porque nessa época, era isso que me agradava. Bem, em qualquer época isso me agrada, mas agora estou aberta pra todo o resto.
Só com “Vagabundos” eu pude entender que o Jack é diferente. Que ele, ao contrário dos outros, acredita na vida, e acredita em vivê-la até o fim, do modo mais nobre possível. Sendo uma pessoa boa e não fazendo mal a ninguém.
É certo que os “Vagabundos” contém muita porcaria zen budista alienada, da qual os outsiders yankees dos anos 50 precisavam pra sobreviver naquela terra ingrata. Mas pra minha felicidade, Jack era muito mais “clássico” do que os outros filósofos alternativos. Lendo aquele monte de linhas e constatações e citações de sutras até me deu vontade de sair correndo pra sanga tibetana mais próxima da minha casa. Mas sei que isso não vai me fazer feliz, porque seria só mais um vazio a percorrer.
O melhor do zen budismo é que ele admite a bebida e a putaria. E é por isso que eu não me “afilio” à religião nenhuma. Simplesmente quero fazer o que me dá vontade, respeitando o que acredito. Acho que vou voltar a me embrenhar nessas leituras. Mal elas não fazem.
Tenho inveja de toda essa liberdade que eles podiam desfrutar no auge da “liberdade americana”. Pedir caronas a torto e direito, dormir num saco de penas de pato em qualquer lugar (principalmente às margens de uma estação de trem), se hospedar em hotéis agradáveis por no máximo cinco dólares...
Pois é, meus amigos bardos, no século XXI, a gente não desfruta desse tipo de escapismo. Logo, nunca seremos totalmente rebeldes, e nem seremos totalmente aceitos. É o mal dos nossos tempos, não há onde se encaixar, senão em si mesmos.
Terminei o livro em alguns minutos. E antes mesmo de chegar aos quatro últimos capítulos já sentia que precisava escrever algo a respeito. Me preparei. Comprei um bom vinho (Seleção nacional de Sauvignon, Merlot e Pinot Noir de 2004), fiz uma refeição leve, e deitei sobre as cobertas enquanto meu filho revia pela enésima vez um filme fofinho da Disney.
Tanto ele notou minha concentração, que foi sentar-se ao meu lado, enciumado do meu ritual livro-vinho-marlboro lights, e me fazer declarações de amor. Após umas duas vezes que ele repetiu essa chantagem eu, cansada de deixar o livro de lado pra enchê-lo de apertos e beijinhos, perguntei se ele queria ouvir o que eu estava lendo. A resposta foi afirmativa, então se seguiu todo um capítulo em voz alta, justamente quando Ray está seguindo pro seu último objetivo, servir à guarda florestal numa montanha isolada nas rochosas de Seattle com o objetivo de isolamento e meditação. O nome da montanha? DESOLATION.
Era cheio de descrições de neve, corredeiras, cervos, lebres e ursos. Não preciso dizer que a criança ficou encantada. Por sorte, não era nenhum capítulo de bacanais greco-romanos contemporâneos que esses ditos zen-budistas promoviam.
O filme então termina. O pequeno foi dormir, não sem antes ouvir uma história do universo dele. Dessas cheias de moral, onde o leão subestima o rato e o rato lhe salva a vida no final. Pertinente para o astral da noite.
Não dá pra recomendar o livro gratuitamente, porque foi uma experiência pessoal. Eu precisava dele e ele (Jack) haveria de chegar a mim nesse momento. Mas posso declarar em brados que ninguém deve viver a vida sem ler ao menos um Kerouac. Cada um vai escolher o seu volume especial e intransferível.
Algumas pessoas ficam furiosas quando eu digo que sublinho livros. Eu adoro sublinhar livros, tenho verdadeira paixão por encontrar os meus grifos quando releio, e perceber como aquilo fez e continua fazendo sentido pra mim. E quando empresto, pessoa que lê se questiona o porquê daquilo. Nesse caso não foi diferente. E essa passagem é de um deleite incomum (mais uma vez, extremamente pessoal):
(...) “Ah meu Deus, sociabilidade é só um grande sorriso e um grande sorriso não passa de um monte de dentes, eu gostaria de simplesmente poder ficar aqui e descansar e ser bom.” Mas alguém me levou um pouco de vinho e me fez entrar no clima. (...)
E numa outra, Jack define tudo que sinto hoje, sem montanhas, sem sutras sagrados e com muito pouca meditação:
(...) Eu estava mais feliz do que estivera durante anos e anos, desde a infância, eu me sentia livre e contente e solitário. (...)
A plenitude de compreender que mesmo solitário, mesmo olhando pros lados e não vendo muitas pessoas, você está feliz. É indizível.
Obrigado, Jack.
*
Ah, eu não conseguiria escrever isso tudo sem um jazz. O jazz é a alma de todo livro, toda escalada, toda beberagem de vinho, toda orgia, toda abstinência, toda trilha e toda escalada. O jazz, sem dúvida, é o único ritmo que te faz subir, subir, subir, em qualquer significado que isso possa ter.
O meu parceiro foi Charles Mingus, com as fundamentais Theme for Lester Young (a propósito, já assistiu Round Midnight? Assista. E quando se acostumar com todos os compassos e pausas dessa música, ofereça um strip tease a alguém), Hora Decubitus, Oh Lord! Don´t let them drop that atomic bomb on me, Open Letter to Duke, Body and Soul...
Aaaaah. Charles já iluminou tantas horas da minha vida que podia escrever sua discografia inteira aqui e comentar canção por canção.
You´re in my world now.
Eu sempre gostei de pronunciar Jack como a Lucy do Bram Stocker´s Dracula. Não me importa o nome da atriz, importa que ela foi uma Lucy abençoada, e pronunciava o nome do Jack da maneira que nem eu teria resistido se fosse um Jack. E se for pensar mais a respeito, se fosse a Lucy teria escolhido o Jack pra desposar, e não Arthur. O Jack era mil vezes mais humano.
Preciso escrever porque terminei meu primeiro livro do Jack (Kerouac). Foi tão difícil todas as vezes que tentei, e me sentia burra, e apequenada por isso. Vagabundos Iluminados era o romance certo, e mais precisamente, foi lido na hora certa.
Quando comecei O Livro dos Sonhos e On The Road não entendia nada. Estava submersa na literatura diabólica e mundana do Bukowiski e nas viagens alucinógenas do Burroughs. Achei ingenuamente que o Jack seria tão podre e mesquinho como eles. Porque nessa época, era isso que me agradava. Bem, em qualquer época isso me agrada, mas agora estou aberta pra todo o resto.
Só com “Vagabundos” eu pude entender que o Jack é diferente. Que ele, ao contrário dos outros, acredita na vida, e acredita em vivê-la até o fim, do modo mais nobre possível. Sendo uma pessoa boa e não fazendo mal a ninguém.
É certo que os “Vagabundos” contém muita porcaria zen budista alienada, da qual os outsiders yankees dos anos 50 precisavam pra sobreviver naquela terra ingrata. Mas pra minha felicidade, Jack era muito mais “clássico” do que os outros filósofos alternativos. Lendo aquele monte de linhas e constatações e citações de sutras até me deu vontade de sair correndo pra sanga tibetana mais próxima da minha casa. Mas sei que isso não vai me fazer feliz, porque seria só mais um vazio a percorrer.
O melhor do zen budismo é que ele admite a bebida e a putaria. E é por isso que eu não me “afilio” à religião nenhuma. Simplesmente quero fazer o que me dá vontade, respeitando o que acredito. Acho que vou voltar a me embrenhar nessas leituras. Mal elas não fazem.
Tenho inveja de toda essa liberdade que eles podiam desfrutar no auge da “liberdade americana”. Pedir caronas a torto e direito, dormir num saco de penas de pato em qualquer lugar (principalmente às margens de uma estação de trem), se hospedar em hotéis agradáveis por no máximo cinco dólares...
Pois é, meus amigos bardos, no século XXI, a gente não desfruta desse tipo de escapismo. Logo, nunca seremos totalmente rebeldes, e nem seremos totalmente aceitos. É o mal dos nossos tempos, não há onde se encaixar, senão em si mesmos.
Terminei o livro em alguns minutos. E antes mesmo de chegar aos quatro últimos capítulos já sentia que precisava escrever algo a respeito. Me preparei. Comprei um bom vinho (Seleção nacional de Sauvignon, Merlot e Pinot Noir de 2004), fiz uma refeição leve, e deitei sobre as cobertas enquanto meu filho revia pela enésima vez um filme fofinho da Disney.
Tanto ele notou minha concentração, que foi sentar-se ao meu lado, enciumado do meu ritual livro-vinho-marlboro lights, e me fazer declarações de amor. Após umas duas vezes que ele repetiu essa chantagem eu, cansada de deixar o livro de lado pra enchê-lo de apertos e beijinhos, perguntei se ele queria ouvir o que eu estava lendo. A resposta foi afirmativa, então se seguiu todo um capítulo em voz alta, justamente quando Ray está seguindo pro seu último objetivo, servir à guarda florestal numa montanha isolada nas rochosas de Seattle com o objetivo de isolamento e meditação. O nome da montanha? DESOLATION.
Era cheio de descrições de neve, corredeiras, cervos, lebres e ursos. Não preciso dizer que a criança ficou encantada. Por sorte, não era nenhum capítulo de bacanais greco-romanos contemporâneos que esses ditos zen-budistas promoviam.
O filme então termina. O pequeno foi dormir, não sem antes ouvir uma história do universo dele. Dessas cheias de moral, onde o leão subestima o rato e o rato lhe salva a vida no final. Pertinente para o astral da noite.
Não dá pra recomendar o livro gratuitamente, porque foi uma experiência pessoal. Eu precisava dele e ele (Jack) haveria de chegar a mim nesse momento. Mas posso declarar em brados que ninguém deve viver a vida sem ler ao menos um Kerouac. Cada um vai escolher o seu volume especial e intransferível.
Algumas pessoas ficam furiosas quando eu digo que sublinho livros. Eu adoro sublinhar livros, tenho verdadeira paixão por encontrar os meus grifos quando releio, e perceber como aquilo fez e continua fazendo sentido pra mim. E quando empresto, pessoa que lê se questiona o porquê daquilo. Nesse caso não foi diferente. E essa passagem é de um deleite incomum (mais uma vez, extremamente pessoal):
(...) “Ah meu Deus, sociabilidade é só um grande sorriso e um grande sorriso não passa de um monte de dentes, eu gostaria de simplesmente poder ficar aqui e descansar e ser bom.” Mas alguém me levou um pouco de vinho e me fez entrar no clima. (...)
E numa outra, Jack define tudo que sinto hoje, sem montanhas, sem sutras sagrados e com muito pouca meditação:
(...) Eu estava mais feliz do que estivera durante anos e anos, desde a infância, eu me sentia livre e contente e solitário. (...)
A plenitude de compreender que mesmo solitário, mesmo olhando pros lados e não vendo muitas pessoas, você está feliz. É indizível.
Obrigado, Jack.
*
Ah, eu não conseguiria escrever isso tudo sem um jazz. O jazz é a alma de todo livro, toda escalada, toda beberagem de vinho, toda orgia, toda abstinência, toda trilha e toda escalada. O jazz, sem dúvida, é o único ritmo que te faz subir, subir, subir, em qualquer significado que isso possa ter.
O meu parceiro foi Charles Mingus, com as fundamentais Theme for Lester Young (a propósito, já assistiu Round Midnight? Assista. E quando se acostumar com todos os compassos e pausas dessa música, ofereça um strip tease a alguém), Hora Decubitus, Oh Lord! Don´t let them drop that atomic bomb on me, Open Letter to Duke, Body and Soul...
Aaaaah. Charles já iluminou tantas horas da minha vida que podia escrever sua discografia inteira aqui e comentar canção por canção.
Boa madrugada a todos os gatos pardos e solitários do mundo.
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